4 de fevereiro de 2008

A Índia está cheia de carros e de barbeiragem



Somini Sengupta*
Em Nova Déli

Poucas
semanas atrás, a residência indiana tradicional de Vineet Sharma, um consultor do setor de fertilizantes, foi palco da realização de um sonho que há muito era adiado. Tendo usado lambretas como meio de locomoção durante vários anos, os Sharma compraram um automóvel hatchback zero, cinza-metálico, conhecido como Tata Indica.

Nenhum problema quanto ao fato de nenhum dos seis adultos da residência saber dirigir. Assim que o carro chegou, Sharma, 34, saiu para dar uma volta e atropelou um amigo. O seu irmão chocou-se com uma motocicleta. Ninguém se feriu, mas o pára-choques ficou amassado. O irmão ficou com tanto medo que parou de dirigir, exceto aos domingos.

"Primeiro nós compramos o carro, e só depois pensamos em como iríamos dirigí-lo", diz Sharma.

Na quinta-feira, quando a Tata Motors lançou o carro mais barato do mundo, o Nano, de US$ 2.500, e representantes de montadoras de todo o mundo foram até Nova Déli para fazer propaganda dos seus produtos em um mercado automobilístico indiano promissor, Sharma começou a pensar em dirigir de fato.

Ele matriculou-se em um curso de direção de uma semana, e mergulhou de cabeça na loucura do tráfego matinal em um velho Maruti 800. O odômetro do carro há muito tinha deixado de funcionar, e sobre o teto havia um sinal indicando que ele era um aluno.
Sharma não dirigia muito rápido e disse que estava bastante nervoso.

E ele tinha bons motivos para estar intranqüilo, já que a sua primeira incursão no mundo das quatro rodas revelou quantos obstáculos ainda prejudicam o romance indiano com as estradas. Em meio a uma cacofonia de buzinas na estrada Ring Road, um veículo utilitário esportivo de cor vermelho sangue passou por entre dois carros, e por um triz não bateu à direita do carro de Sharma. Um ônibus escolar o imprensou à direita. Ninguém parecia se importar com as faixas de trânsito.
Os indianos estão adotando rapidamente o automóvel, à medida que os salários sobem, os planos de financiamento de veículos proliferam-se e a indústria automobilística lança carros de baixo custo cujos preços competem com os das motocicletas. Eles compraram 1,5 milhão de carros no ano passado. Segundo algumas estimativas a Índia deverá ultrapassar a China neste ano como o mercado automobilístico de maior crescimento.

Nesta semana a capital indiana esteve agitada com a mania de automóveis, já que a exposição bienal Auto Expo teve início na quinta-feira e as indústrias automobilísticas, tanto indiana quanto estrangeiras, começaram a apresentar os primeiros dos 25 novos modelos.

A grande novidade veio da Tata Motors, que introduziu o Nano em uma cerimônia que teve como música de fundo o tema do filme "2001: Uma Odisséia no Espaço", tocado a toda altura. Havia também sedãs de luxo e veículos utilitários esportivos, assim como uma grande variedade de carros pequenos, acessórios e peças. De fato, o centro de exibição estava tão movimentado que formou-se um congestionamento barulhento e caótico em frente ao local antes mesmo da abertura oficial.

Como era de se esperar, os ambientalistas indianos atacaram a febre automobilística, especialmente devido às regulamentações relativamente frouxas quanto a emissões e à proliferação dos carros movidos a óleo diesel. A Auto Expo tem um pavilhão dedicado aos veículos a diesel.

Até mesmo o geralmente pacato diretor do Painel Intergovernamental de Mudança Climática, Rajendra K. Pachauri, criticou duramente este crescimento explosivo da quantidade de veículos pequenos, questionando particularmente a Tata Motors por dedicar-se à construção de carros baratos e não ao transporte público eficiente. Nesta semana o Greenpeace pediu que sejam adotados padrões de eficiência para o uso de combustível, incluindo informações sobre emissões de dióxido de carbono.

Na sua primeira aula de direção, Sharma tinha em mente preocupações mais imediatas. Dividindo as ruas com ele havia um ciclista com três botijões da gás amarrados à bicicleta, um vendedor que empurrava uma carroça cheia de goiabas, um triciclo movido a pedal cheio de fotocopiadoras (estes veículos muitas vezes são os preferidos para o transporte de equipamentos modernos).

Havia também muitos pedestres, saltando aleatoriamente sobre a pista, já que não há faixas de pedestres, ou andando em filas densas nas laterais das estradas, que não têm calçadas. Em determinado momento, um carro entrou na contramão. A seguir uma motoneta de três rodas veio em direção a Sharma, desviando-se rapidamente e entrando em uma rua lateral. Pelo menos nesta manhã não havia nenhum elefante mascando pedaços de bambu na pista de alta velocidade, algo que de vez em quando ocorre.

"A minha preocupação não é com carros, mas com os motoristas", diz Suvashish Choudhary, o vice-comissário de polícia. "Cada carro novo significa um motorista a mais que não estará treinado para dirigir bem na cidade".

Com uma população de quase 16,5 milhões de habitantes, Nova Déli recebe diariamente 650 novos veículos nas suas estradas e ruas. Segundo a última estimativa, há um total de 5,4 milhões de veículos, o que é cinco vezes a quantidade registrada 20 anos atrás. Mas ainda há duas lambretas ou motocicletas para cada carro.

Quando lembramos a Choudhary o fato notável de que o aumento drástico do número de carros
em Nova Déli não foi acompanhado por uma elevação correspondente do número de acidentes, ele zombou disso e continuou apresentando a sua lista de reclamações: ninguém dá a vez a outros motoristas, todos se acotovelam para serem os primeiros a arrancar quando a luz do semáforo fica verde e a falta de faixas de travessia fazem com que os pedestres saltem abruptamente para dentro das pistas de veículos. Ele chama isso de "falta de uma cultura de direção de automóveis".

Os que mais sofrem são os pedestres da cidade. Segundo a política, metade das vítimas fatais dos acidentes é composta de pedestres. De vez em quando uma pessoa sem teto que dorme nas ruas é atropelada. Na semana passada um carro em alta velocidade atropelou um policial que estava de pé em frente a um posto de controle de tráfego, e não se deu ao trabalho de parar. O policial sofreu ferimentos graves.

"Todo mundo sabe um pouco sobre direção", observa Sharma. "O problema é obedecer as regras. Todos estão apressados".

Nova Déli emitiu mais de 300 mil carteiras de motorista no ano passado, algo que tanto pode ser visto como um grande exemplo de eficiência burocrática quanto como uma ingenuidade indiana.

Um motorista profissional chamado Ramfali disse ter obtido a carteira mesmo sem saber ler. Sharma pagou US$ 40, ou o quádruplo do preço oficial, para que um despachante independente obtivesse a carteira para ele em uma hora e meia.

A mania dos carros também gerou uma nova indústria de auto-escolas. Durante as manhãs, pode-se ver os alunos rodando devagar pelas estradas, e os motoristas veteranos buzinando alucinadamente atrás dos aprendizes.

Sharma, ao final da sua primeira aula, ele decidiu que os veículos de quatro rodas, embora desejáveis, nem sempre são práticos. Ele observa que a sua lambreta é mais barata e rápida.

O seu instrutor, Amit Yadav, que treina uma média de 11 novos motoristas por dia, concorda. Ele diz que vai trabalhar de motocicleta. "O trânsito é tão ruim que não vale a pena dirigir
em Nova Déli", argumenta Yadav.

Mas ele frisa que se for necessário dirigir, é necessário ter confiança. "Deixe o medo de lado", disse ele a Sharma.


*Hari Kumar e Saher Mahmood contribuíram para esta matéria.

Tradução: UOL


Fotos: Internet/Gloogle

Incredible India! (slogan do governo indiano)

Om Shanti


3 comentários:

  1. San,

    Eu jamais me atreveria a dirigir por aí, é muita confusão para minha cabeça...rs.
    Beijinhos,
    Claudinha

    Om Shanti

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  2. Tem que ter seguro de vida pra andar na Índia. O engraçado é comprar um carro sem saber dirigir e dar uma voltinha para testar. Pelo menos não tem motoboys nem vans!

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  3. Como os indianos mesmo dizem: para dirigir na Índia voce precisa de Good breaks,good horn and good luck!
    BJO. Verônica.

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